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Cinema: filme, “O milagre de Anne Sullivam”

Resenha de “O milagre de Anne Sullivam”

22/09/2018 às 21h53 Atualizada em 10/09/2020 às 16h55
Por: Cláudio Bertode
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Cinema: filme, “O milagre de Anne Sullivam”

The Miracle Worker ( O Milagre de Anne Sullivan) é um filme estadunidense de 1962, do gênero drama biográfico, dirigido porArthur Penn, e baseado no livro The Story of my Life, de Helen Keller

Será interessante partirmos da premissa de que “toda narrativa é o movimento entre dois equilíbrios semelhantes mas não idênticos”[1]. Em uma narrativa de acontecimento “há sempre uma situação estável” e de calma (no início); a seguir “sobrevem alguma coisa que rompe esta calma, que introduz um desequilíbrio”[2] ou um equilíbrio negativo. No fim da história, depois de vencer os obstáculos o equilíbrio será restabelecido mas não será mais o do início.

No caso do filme “O milagre de Anne Sullivam” é bem perceptível esse esquema fundamental a partir de uma seqüência de acontecimentos:

1-     O nascimento de Hellem: Hellem é uma criança linda, seus pais, são felizes e tudo é paz e tranquilidade. É importante notar a importância do fator tempo e espaço externos à obra, uma vez que esta situação de equilíbrio inicial só será possível imaginá-la (não aparece na narrativa propriamente dita).

2-     A congestão: A narrativa inicia-se com o grito de surpresa da mãe pela constatação de que Hellem não podia ver nem ouvir: isso devido a uma congestão. Instaura-se na obra o desequilíbrio (ou equilíbrio negativo).  

3-     O aparecimento de Anne: Se se tratasse da história da “gata burralheira” Anne seria a “fada madrinha”, com a diferença de que não foi Hellem quem desejou a fada, mas a própria família por não suportar o indevido desajuste da mesma. A família não trata Hellem como um membro, e sim, como um animal de estimação que precisa ser adestrado: o pai precisa de trabalhar e Hellem atrapalha sua paz, derruba seus papéis; a mãe sente pena da filha e deixa que ela faça tudo que quiser como uma compensação pelo seu estado ( estado de Hellem); o irmão faz o papel do cético que tenta desacreditar Anne do intento de fazer Hellem falar, etc.

4-     Mudança de perspectivas: A mãe percebe que Hellem era capaz de aprender por Ter dobrado o guardanapo na hora do almoço (não era deficiente mental); Hellem deixa de pensar que ajudá-la seria fazer por ela

5-     Retorno do equilíbrio: Esse novo equilíbrio (já esperado) se instaura pelo “surpreendente” desenlace dos acontecimentos, mas a surpresa não está no quando Hellem consegue vencer a dificuldade de associação código/objeto, e sim, no como esse desenlace se realiza. Esse jogo entre o quando e o como causa no leitor (telespectador?) uma ansiedade que só se alivia no momento catártico do quando e como Hellem descobre/conquista a linguagem. Esse jogo de quando e como realiza a mudança de perspectiva definitiva e instaura o equilíbrio almejado pela família, pela professora e mesmo pela satisfação da expectativa do telespectador (leitor!) que acompanha todo desencadeamento dos eventos. Em fim a família se abraça e chora, Hellem corre de um lado para o outro querendo saber o nome de tudo a sua volta e agradecida pergunta o nome de sua fada/professora e as duas se abraçam…

O filme/obra traz denúncias em relação às instituições que recebem crianças deficientes para educar. Estas escolas especiais funcionam como depósito para algo de que deseja livrar-se, há também uma denúncia/crítica de caráter interno ao seio familiar: As famílias que possuem um deficiente auditivo, na maioria das vezes, tratam-no como um deficiente mental.

Em termos de teoria de narrativa vimos que o filme “O milagre de Anne Sullivam” é uma narrativa elementar que respeita a premissa dos “dois equilíbrios semelhantes mas não idênticos”.

EQUILÍBRIO+DESEQUILÍBRIO+NOVO EQUILÍBRIO

O equilíbrio ao final da história não é mais o inicial, pois nem a família, nem a professora, nem Anne não são os mesmos do início, uma vez que,  passaram por toda experiência dos acontecimentos. Poderia dizer que mesmo o ser que assistiu ao filme não é também o do início. Esse espectador vive, na sua medida de leitor implícito[3] as experiências vividas pelas personagens.

Mesmo com essa forma tão rudimentar de contar histórias        (equilíbrio+desequilíbrio+novo equilíbrio) e de forma simples e linear (início, meio e fim) bem ao gosto e semelhança das narrativas românticas do sec. XIX (romances-aguá-com-açúcar) com “happy end” ao final é possível pensar a situação do surdo no mundo e contextualizando: em nosso país.

O surdo não é deficiente mental, tem direito a uma linguagem para se comunicar, tem direito a uma cultura e direito ao respeito como ser humano…

 

[1] TODOROV, T. Introdução à literatura fantástica. São Paulo, Pesrpectiva, 1992. P.172

[2] Idem, ibidem. “

[3] Leitor implícito reporta-se a um termo em voga na teoria da recepção que seria uma entidade ficcional e seria o leitor ideal de uma  narrativa: não necessariamente que assistir/assistiu ao filme.

Autor: Cláudio Bertode

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