Mesmo que alguns finjam, não admitam, às vezes notamos, inclusive, que muitos dos letrados, uma vez ou outra, mostram-se também, de certa forma, inseguros quanto a uma explicação definitiva e plausível para o emprego do chamado ponto e vírgula. Diante de tantas dúvidas, suscitadas pelas tímidas e superficiais notas a respeito deste cabalístico sinal, será para o leitor, interessante analisar o que argumenta algumas das gramáticas mais conceituadas em Língua Portuguesa, as quais, por toda parte, propagam lindas regras de bom uso da língua escrita. Nota-se que o medo de usar esse tipo de pausa na escrita, é alimentado justamente pela falta de consenso entre o que explicam os professores e gramáticos.
Uma das mais renomadas gramáticas, sem dúvidas, é a de Celso Cunha, na qual há um comentário importante de que o ponto e vírgula é um sinal “intermediário entre o ponto e a vírgula. Em seguida, acrescenta que “aproximar-se ora deste ora mais daquele”, podendo equivaler “a uma espécie de ponto reduzido” ou “a uma vírgula alongada”. Para o autor, essa imprecisão desse sinal faz com que “seu emprego dependa do contexto” (CUNHA, 1985)[1]. Lembrando que Celso Cunha é, sem dúvidas, é o gramático mais renomado entre os que defendem uma maior rigidez para o uso de regras gramaticais. Mesmo assim, não consegue com exatidão explicar o uso do ponto e vírgula, logo quem busca e renomada gramática Cunha e Cintra para sanas suas dúvidas, sairá sem saber exatamente onde e quando usar essa pausa paradoxal.
Outra gramática observada foi a de Evanildo Bechara, que também figura entre as mais renomadas, sendo estudada inclusive em universidades, uma vez que o nome de Bechara, assim como o de Celso Cunha, surge em discussões que envolvem os gramáticos e os linguistas. Para Bechara, o ponto e vírgula é “uma pausa mais forte que a vírgula” (BECHARA, 1994). Em outra edição de sua gramática, apenas acrescenta que, além de ser essa pausa mais forte que a vírgula, é menos forte “que o ponto”. (BECHARA, 2004)
Reiterando um comentário de Cegalla, percebermos que realmente não é “possível traçar normas rigorosas sobre essa matéria” (CEGALLA, 2008). Ou seja, aos poucos o ponto é vírgula está perdendo seu uso, está sumindo da escrita. Escritores da nova geração ficam com medo, não se arriscam a usar e vir um professor, um crítico dizer que o uso do ponto e vírgula não está adequado, assim nossa geração vê esse belo sinalzinho ir sumindo lentamente dos textos escritos em Língua Portuguesa. Notamos, inclusive, que é uma tendência o uso de períodos menores nos textos, justamente para não ter que manipular situações em que precisaria tomar uma decisão de usar vírgula ou ponto e vírgula.
Por ser uma pausa intermediária entre a vírgula e o ponto; logo, por insegurança, talvez preguiça de decidir, usamos só as duas opções mais cômodas. Não que o falante seja preguiçoso; mas, ao que parece, a última flor do Lácio é adepta a simplificação, talvez seja ainda o latim em evolução, talvez não tenha se completado o ciclo. Não falo da variação linguística em si, que essa acontece em vários níveis, social, histórico, geográfico, níveis de escolaridade, sexualidade, estrato social, grupos e comunidades, as quais o falante pertence, de acordo com as diversas profissões, são muitas as formas de variação do idioma.
A questão aqui é um caráter que o português vem demonstrando em termos de evolução, a característica de querer ser econômico, querer ser mais simples, assim como o trema já havia sumido da escrita muito antes do acordo ortográfico ser firmado. Na verdade, o novo acordo não acabou com o trema como afirmam alguns, o trema já estava sem uso, nenhum jovem usava, os professores de português já não conseguiam convencer os estudantes e a comunidade a usar os sinaizinhos no güe/gü, qüe/qü, assim também está ocorrendo com ponto e vírgula.
Claro que temos situações, razoavelmente, seguras de uso: podemos usá-lo sem medo quando estamos enumerando itens, como leis, artigos, pontos de uma lista. Outro uso seguro, é quando temos o uso de uma elipse, por exemplo, na construção (Eu viajo, hoje; você, amanhã), nesse caso, temos o verbo viajar implícito depois do pronome você marcado pela vírgula, assim o ponto e vírgula vem para dar uma pausa longa entre os termos.
O terceiro caso seria quando temos um período coordenado com conjunções adversativas ou conclusivas, por exemplo a conjunção POIS como sindética conclusiva: “Não veio ao avento; estava, pois, doente”, ou ainda, “Não gostava do livro; logo não leu até o final”.
Em um exemplo dado pelo próprio professor Cunha, lemos:
“Pode a virtude ser perseguida, mas nunca desprezada./Pode a virtude ser perseguida; mas nunca desprezada.”, ou seja, nesse caso podemos usar tanto a vírgula quanto o ponto e vírgula.
Em outro momento, Celso Cunha afirma que o ponto e vírgula pode ser usado para “separar num período orações da mesma natureza” que tenham certa extensão (CUNHA, 2016): Pode-se observar esse exemplo de Machado de Assis para entender essa menção de Cunha: “Não sabe mostrar-se magoada; é toda perdão e carinho”.
No mais, que os jovens escritores não percam uma característica que é imprescindível a quem faz arte literária, a liberdade poética. Não podemos ficar inseguros e presos a regras rígidas de gramática, as regras servem a um propósito bonito de unidade de uso, no entanto é importante saber quando rompê-las, ou seja, se sente que um parágrafo já tem pausas por demais e já usou vírgulas o suficiente, não fique acanhado, use o velho e bom ponto e vírgula, assim, aos poucos começará a ter segurança de uso desse sinal tão incompreendido em nosso idioma.
Bibliografia:
BECHARA, Ivanildo. Moderna gramática portuguesa. Rio de Janeiro: Lucerna, 1994.
BECHARA, Ivanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. Ed. rev. e ampl. 14ª reimpr. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004.
CEGALLA, D. P. Novíssima gramática da língua portuguesa. 48.ed. revisada. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2008
CUNHA, Celso Ferreira da; CINTRA, Luís Filipe Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985
CUNHA, Celso Ferreira da; CINTRA, Luís Filipe Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. 7. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016. Pág. 666
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